quarta-feira, 16 de maio de 2012

"Random Generation"

O discurso publicitário adquire especial interesse quando se dirige às camadas mais jovens. Em Portugal, o exemplo forte e, por sinal, ubíquo disso são as campanhas das redes de telecomunicações. Os anúncios da Vodafone, Optimus e TMN tendem a assumir um olhar moralizante talvez porque o produto que vendem esteja tão próximo da essência do que é estarmos juntos - a comunicação - e a Moral brota dessa mesma contingência.
Os anúncios de telecomunicações, mais do que quaisquer outros, tendem a querer dizer-nos quem somos e como devemos ser. Pelo tipo de símbolos e linguagem que usam são claramente mais dirigidos às camadas jovens (as grandes consumidoras de comunicações móveis), também aquelas cuja identidade está menos firmada. Tudo isto torna especialmente interessante a análise dessas mensagens.

O anúncio da "Random Generation" define a geração entre, talvez, os 15-25 anos como aleatória, aleatorizada ou aleatorizante e fá-lo através de associações livres de palavras partindo de frases chavão típicas de pais de moral (vagamente) conservadora. "Não venhas tarde" e "vai para o teu quarto" transformam-se em "não venhas no teu quarto" (vendo bem, frases talvez não tão aleatórias). Criam-se portanto significados vazios e outros nem tanto, mas ainda assim pouco importantes.
Ora, todo o discurso publicitário é neutralizante à partida. mesmo que ouse tentar ser outra coisa, ele implode à nascença. Nunca pode ser revolucionário. É incapaz de fazer um corte ontológico. É essa a sua natureza.
Mas esta campanha em particular tem algo mais, ela é "meta-neutralizante". Alimenta-se do próprio efeito criado nos jovens pela exposição crónica a este discurso asséptico e vazio da publicidade.
Quem cria uma campanha publicitária inspira-se nos grupos-alvo que pretende atingir. Nesta situação, achou-se que o conceito de "randomness" colaria bem no público-alvo (jovens).
O que eu pretendo dizer é que esta campanha mostra o encerramento de um circuito: as agências publicitárias modelam o seu trabalho a uma população jovem que neste momento já está também ela totalmente modelizada à partida pela publicidade. Gerou-se um círculo vicioso.
Esta é a geração neutra, que não visa a nada. Uma espécie de sopa primordial de sentido, onde os símbolos passam uns pelos outros, interagem por instantes e logo se separam para prosseguir um trajecto imprevisível no vazio. Esta geração assim pintada é a metáfora do próprio discurso publicitário. Um espaço onde tudo é possível mas onde nada significa verdadeiramente nada.

http://www.youtube.com/watch?v=nrWaEk9Qh7Q

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Olhar as ideologias.

A publicidade como ideologia. 
A publicidade, isto é, a comunicação de algo com vista à nossa adesão a esse algo, seja um produto mais concreto ou mais abstracto, é o corpo de informação preponderante no espaço público. Se considerarmos esse espaço na sua componente eminentemente física, pode-se dizer que há um monopólio. Portanto, a publicidade é de altíssimo valor na definição da ideologia, ou o conjunto de ideias que moldam a nossa forma de ver o mundo. Logo aqui temos um dado importante a notar - a maior parte da informação que recolhemos de entidades externas colectivas não visa directamente o bem comum mas sim o dessa entidade que emite a informação. É informação interessada e, por isso, necessariamente, enviesada. Esse viés cria um desequilíbrio que só pode ser contrabalançado se, do lado do cidadão, houver uma postura crítica. Essa atitude existe sempre, desde logo porque, se não houvesse, pertenceríamos a vários partidos politicos ao mesmo tempo ou compraríamos todos os produtos que víssemos publicitados desde que tivéssemos o dinheiro. Porém, creio que essa postura crítica pode assumir vários níveis, para além do básico que é o de fazer escolhas entre várias solicitações diferentes. É possível, por exemplo, não estarmos de acordo com valores subentendidos em algumas dessas mensagens. É possível também, e desejável, percebermos o que querem essas mensagens de nós. E, em última instância, é possível recusar o seu carácter englobante, reconhecendo a necessidade de uma comunicação livre e desinteressada no espaço público. O conceito de "desinteressado" é, note-se, dificil de concretizar. O mais desinteressada possível, então.
Este blog quer contribuir para a análise dessas mensagens, para as pensarmos nós em vez de elas por nós.